12.9.06

Crônicas da Falta Falida - 3

Estava já quase entrando na aula, atrasado, só na rotina, quando uma fisgada na bexiga lembrou que ir ao banheiro era necessidade das mais urgentes. Normalmente vou antes de fazer qualquer coisa que me impeça de descarregar os fluidos por um tempo entre uma hora, uma hora e meia até umas 15 horas. 15 horas deve ser o limite que alguém agüenta sem mijar. Dois terços de dia. Eu, se durmo meia-noite, as onze, no máximo, to acordando pedindo uma mijada. Na faculdade, mijo antes da aula, no intervalo e antes de ir embora. Algumas vezes até duas vezes depois da aula, dependendo da hora que a aula acaba e da temperatura. Quando ta frio mijo mais. Tenho certeza, e a hipótese de o organismo queimar gordura para esquentar o corpo e mandar essa gordura derretida pra urina me é bastante crível. E plausível. E adequada e bem-vinda.

Dos 4 mijadores do banheiro (não pessoas, mas sim os quatro penicos de acrílico presos na parede), escolho sempre o bem da direita. Até criei uma frase “nunca confie em quem mija nos do meio”, mas nunca pude comprovar nada: não me relaciono com quem mija nos do meio. Quando esse bem da direita está ocupado uso o bem da esquerda, provando que não me sinto nem um pouco intimidado com a presença de outra pessoa ali e que não tenho problemas em fazer isso com outra pessoa por perto, e, nesses dias, quando fico ao lado de alguém, mesmo que distante, uso toda minha força de vontade para dar a mijada mais ruidosa e potente que o sujeito já possa alguma vez ter ouvido (ou sentido, caso os jatos rebatam no acrílico do mijador e acertem o sujeito). Penso nisso como uma espécie de combate subentendido. Quem perde faz de conta que nada aconteceu e quem ganha dá uma chacoalhada satisfeita e guarda a pistola com esmero.

Por sorte, deus me fez de um jeito que posso mijar a qualquer momento. Agora mesmo poderia me mijar nas calças se por algum motivo fazer uma barbaridade dessas se tornasse imprescindível. Quando menor, como qualquer outro garoto de bom porte físico, queria ser jogador de futebol. Minhas duas maiores preocupações eram tirar uma gota de sangue do dedo para fazer exames e ser sorteado para o anti-doping e ficar horas sem conseguir dar o material urinário para a análise. Um amigo que também queria ser jogador dizia que os médicos pagavam cerveja para que desse vontade, mas, como era criança, imaginava que teria de me contentar em tomar muito leite com nescau. Mais um motivo pra ser jogador.

Às vezes, quando dois dos quatro mijadores estão ocupados, entro numa das cabines. Fico um pouco constrangido, mas não posso ferir meus princípios. Se são duas pessoas nos 2 de 4 mijadores, ou estão nas duas pontas (e eu teria de mijar num dos do meio) ou um está num dos do meio, ou ao lado do que ta na ponta ou ao meu lado, sendo ambas as hipóteses assustadoras. Para compensar essa ida à cabine, deixo a porta um pouco aberta – “alguém mais ouve a cascata?laralááá”. Quando faço isso, gosto de esperar que os outros saiam do banheiro para que eu possa tranqüilamente lavar as mãos, lavar o rosto, assoar o nariz e secar tudo isso com os rolos de papel higiênico que a faculdade coloca à disposição dos alunos para fazer esses e outros serviços. Sempre que vou ao banheiro faço isso e me sinto como um assassino ao término de cada atentado: renovado espiritualmente.

Dia desses, hoje mesmo, estava secando o rosto quando alguém deu três batidas na porta. Como a porta é a porta do banheiro, daquelas parecidas com as de Saloon, só que abrindo só em um dos lados e não no meio, fiquei imaginando que espécie de idiota bate numa porta de banheiro. A hipótese mais coerente, mas nem por isso menos absurda, é a de que era um carteiro que havia levado um pequeno de um trote postal.

Pensando nisso comecei a caminhar em direção à porta, esperando quem sabe encontrar alguém. Ao invés de empurrar a porta – com um chute, como de costume –, decidi puxar. Quando puxei, vi passando um cara, de cabelo crespo caído sobre a testa, caminhando e com a mão suspensa no ar fazendo com a mão o gesto que teria por onomatopéia “toc-toc-toc” caso eu não tivesse tirado a porta do lugar e deixado no lugar da madeira somente o ar que agora vibrava com as desmunhecadas inúteis do mané.

Quando viu que não acertou em nada, que alguém havia puxado a porta e flagrado ele numa atitude boba e supostamente provocativa, recolheu o braço e acelerou um pouco o passo caminhando de um jeito robótico congelado sem nem olhar para o lado. Eu ri, baixo, como o pateta. Ele se virou, ainda constrangido, e apontou o dedo pra mim como um revólver “heeeehee”. Ri como o pateta de novo e olhei pra ele de um jeito que ele entendesse a mensagem te peguei, magrão.

Consegui ver ele pensando que não deveria ter batido ali na porta duas vezes. Se era pra ser algo parecido com rebeldia, uma única série de batidas, na ida, já teria sido o suficiente. Bater na volta ia aumentar em muito pouco o prazer dele em tirar uma onda, enquanto duplicava as chances de o destino aprontar uma para o jovem gozador.