12.9.06

Crônicas da Falta Falida - 2

Quando venho para a faculdade de tarde passo sempre por essa rua deserta em frente ao zoológico e fico um tempo vendo os macacos. Do lado de cá da cerca, escorado numa árvore ao lado de um latão de lixo. Às vezes compro um pacote de bolachas recheadas e fico ali comendo e olhando os macacos. Se for contar quanto tempo já fiquei aqui com os macacos, talvez o tempo seja maior que o tempo de convivência que tive com meu avô. E mesmo assim ainda não consigo saber naquela jaula quem é macaco e quem é macaca, quem é pai e quem é filho. Para poder brincar melhor com eles inventei uma família hipotética. São em nove no total, e, na minha família hipotética, duas macacas adultas, mães de dois macaquinhos e de uma macaquinha. Os outros quatro são dois macacos maridos das macacas e dois sem ligação alguma com nenhum deles, mas que foram colocados ali arbitrariamente e agora já são chamados de primos. A iniciação sexual da menorzinha foi com um desses dois, ninguém sabe com qual, pois os dois se gabam do fato e a macaquinha era muito nova para saber reconhecer a diferença entre dois macacos. Longe de ser importante, essa discussão e gabação aconteceu apenas uma vez e por uns dois minutos. Ninguém ali passa mal quando o assunto é sexual: todos se amam mutuamente. Com essa moral liberal, peludos e tomando banho lá de vez em quando, não podia chamá-los por outro nome que não o de Família Ripes. Família Ripes, no plural mesmo.

Gostam de brincar comigo. Algumas vezes todos brincam, outras vezes apenas alguns (ou um). Nossa brincadeira consiste em eu ficar escorado na árvore olhando para eles parados ou pulando. Nos primeiros dias, quando os descobri, brincávamos de ver quem piscava primeiro. Acho que eles queriam brincar de estátua também, porque quase não se mexiam, mas eu não estava nem aí, só brincava de não piscar. Queria comer minhas bolachas, e acho que mexer a boca já é perder no “estátua”. Brincava de não piscar. E ganhava. As vezes até fazia um ou outro fechar os olhos e coçar e coçar.

Dia desses quando cheguei ali perto estavam todos muito agitados, pulando e gritando. Pulavam de um lado para o outro, num ziguezague difícil de acompanhar. Flap! Flap! Flup!, Flap, Pá! Voando lá do fundo veio um dos maridinhos com tudo e se jogou contra o cadeado que prende a jaula com uma pedra na mão. Sei lá quem eles subornaram no zoológico para conseguir aquela pedra, o fato é que nem toda aquela seqüência de embalos nem o que parecia ser uma dancinha de ritual de macaco que os outros faziam e nem a pedra de bom tamanho foram o suficiente para quebrar o cadeado, que deve ter sofrido, no máximo, um arranhão. Nesse momento de profunda revolta e decepção para os macacos tenho certeza – quase – que ouvi um dos macacos gritar naquela voz enguiçada “Ferro temperado do caralho!”. Mas talvez tenha sido apenas um grito de macaco misturado com o barulho das minhas mordidas nas bolachas.

Fiquei triste pelos macacos. Pareciam gente boa o suficiente para não merecer viver numa jaula pequena e apertada daquelas. Além disso, a jaula era toda - TODA – enferrujada, exatamente da cor dos pêlos dos macacos, que eu já começava a desconfiar que eram daquela cor exatamente pelo contato com a ferrugem. Será que cheiram a ferrugem também? Depois desse dia, e de pensar na ferrugem das grades e na cor dos pêlos dos macacos, comecei a imaginar eles todos louros, com os pêlos brancos e vultosos, monárquicos, nos mais velhos. Colocar uma coroa num macaco assim e chamá-lo de Rei Macaco é fácil, fácil. Difícil é acreditar que um dia tomarão um banho decente que os deixará exibir toda sua realeza.