12.9.06

Crônicas da Falta Falida - 1

Começou o inverno. Digo isso todo dia que assume o posto de dia mais frio do inverno. Deve fazer já mais de mês que o outono se foi, mas mesmo assim, hoje, eu disse, acho, e pensei que havia, sem dúvida alguma, começado o inverno. Ou ao menos o intenso do inverno. Com frio, cinza e neve. E vento.

Aqui dá pra sentir mais ainda, e ficar imaginando o que essa gente toda dentro de carros que passam zunindo e jogam lufadas de ar frio que não precisariam existir pensa sobre alguém caminhando sozinho, agora que começou o inverno, numa ruazinha deserta e sem outra iluminação que não a de corredios faróis, em frente a um zoológico que só tem papagaio e macaco, não ajuda em nada. Mas também não atrapalha. Incomoda um pouco, como uma picada de mosquito no tornozelo, que só é um saco porque pra coçar é preciso se abaixar.

Bem poderia caminhar pela rua principal dessa merda de universidade, em meio a todas as caras feias, gordas e chupadas e borradas e assustadas e envenenadas pela convivência com essa fumaça preta e podre que jorra dos canos de descargas dos ônibus que chegam tão perto da calçada que levar um safanão de espelho retrovisor na nuca é algo pouco difícil de acontecer. E a possibilidade de, nesse momento, haver um amontoado de meninas tremendo de frio dentro dos bolsos de plástico de suas jaquetas, olhando e talvez até mesmo, quem sabe?, exercitando a milenar arte de pensar e conceber um futuro fictício cheio de prazer com um completo desconhecido seria até mais doloroso que a pancada física, na nuca, em si. Essa dor física não vai muito longe. Só o suficiente pra avisar que “a estrutura está danificada”, e quando isso acontece é só comprar analgésicos. Ou engessar a cabeça, caso o motorista do ônibus seja o "Piloto". Quando a dor é de humilhação, qualquer simples lembrança do espetáculo já é o suficiente para acordar a angústia e retornar ela à sua atividade principal de sugar todo o conteúdo do estômago e criar um imenso e poderoso vácuo incomodativo e debilitador. Isso, é claro, para quem entra nessas ondas de se julgar sempre humilhado. Os Bradocks “malditos vietcongues estupraram e mataram minha escrava sexual vietnamita e as duas filhas fruto de nossa relação que estavam quase na hora de serem trocadas por um dote de duas cabeças de cabras”, que julgam que qualquer acontecimento que contrarie sua vontade é um atentado à sua honra e imagem de campeão da humanidade. Essas pessoas são perigosas. E é até bom quando levam uma tapão de espelho retrovisor na nuca – especialmente quando o motorista é o "Piloto".

Eu não me preocupo. Não ando nesse lugar. Não que o medo disso ou uma timidez ou um constrangimento me impeça de andar pela rua - que é chamada de avenida - iluminada e densamente populada. A bem da verdade o único verdadeiro incômodo significantemente incomodativo é a fumaça dos ônibus que me obriga a trancar a respiração por dez, vinte, trinta segundos. Uma tortura semelhante - ao menos no princípio - a ter a cabeça mergulhada num balde com água ou numa banheira de sangue.

Prefiro os carros aqui passando, nesse deserto asfaltado, ornamentado por gritos de macacos decidindo, como o fazem toda a noite, se me convidam ou não para brincar.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Só faltou dizer o nome da universidade!
haha
Quem sabe, sabe....

9/13/2006 2:08 PM  
Anonymous Anônimo said...

Novo blog ham?
ham ham ham ham

9/13/2006 5:00 PM  

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